Inserido em 03/04/2019
Uma das mais celebradas degustações da história serviu para dizer qual era o melhor vinho branco do mundo
A Idade Média é uma época repleta de mistérios que encantam quem gosta de história, especialmente da parte bélica e religiosa. Houve reinados absolutistas sanguinários (bem ao estilo Maquiavel), guerras intermináveis em nome da fé (como as Cruzadas) ou de poder, pragas devastadoras que dizimaram milhares de pessoas, perseguições religiosas (como a Inquisição), enfim, haja ingrediente para contos épicos, que foram compostos aos milhares.
Se hoje muita gente se auto-alcunha "o melhor do mundo" em algo, imagine naquela época em que o mundo, para a sociedade ocidental, não era maior que a Europa, o norte da África e partes do Oriente Médio. Ser o melhor do mundo era muito mais fácil, não? Pois bem, um rei francês magnânimo e autoritário, Filipe Augusto (Filipe II), da França, um bom apreciador de vinhos, do alto de seu trono resolveu, então, que queria fazer uma grande degustação para decidir qual era o melhor vinho branco do mundo.
Para os incrédulos, esse fato aconteceu mesmo (por volta de 1220) e está documentado, como era praxe na época, em um longo poema de 204 versos de Henry d'Andeli, um dos escritores preferidos do rei, conhecido como "A batalha dos vinhos". O texto diz que Filipe Augusto enviou seus mensageiros procurarem os melhores vinhos que poderiam encontrar no mundo todo. Pela descrição que há no poema, eles voltaram com mais de 70 amostras desde regiões clássicas franceses como Chablis, Beaune, Sancerre, Saint-Émilion, Alsácia e Provença, até lugares mais distantes como Espanha, Milão, Chipre, por exemplo.
Vinho excomungado?
Com a ajuda de um padre inglês, Filipe Augusto definiu qual o "melhor vinho do mundo"
Era Idade Média, então, quem poderia ser um jurado imparcial? Um padre obviamente, um homem da igreja. E, como naquela época partes importantes da França (incluindo Bordeaux) eram de domínio da Inglaterra, escolheram um religioso inglês. Durante a prova, ao invés de notas como estamos acostumados hoje em dia, o padre, bem ao estilo da Santa Madre Igreja - especialmente no período da Inquisição -, celebrava os vinhos bons e excomungava os ruins. Já imaginou um vinho excomungado? O coitado nunca mais entrará no Reino dos Céus...
Durante os mais de 200 versos octossílabos, a narrativa poética vai enumerando os vinhos e dizendo suas qualidades e defeitos. Por fim, após alguns debates entre os próprios vinhos (especialmente as bebidas excomungadas ganharam voz no poema para se defender - talvez o autor tenha bebido um pouco antes de escrever...), o rei decretou quais eram os melhores:
"Le roi couronna les bons vins A chacun il donna un titre Du vin de Chypre il fi t un pape Qui resplendit comme une étoile. Il fi t Cardinal et légat Le si gentil vin d'Aquilat. Je fi t trois rois et puis trois comtes Et tant il allongea son compte Qu'il fi t douze pairs de France Qui du roi ont la confiance"
(O rei coroa os bons vinhos e a cada um deles concede um título. Do vinho de Chipre, ele fez um papa que resplandece como uma estrela. Ele fez Cardeal o bom vinho de Aquilat. Eles concedeu três reis e três condes e ainda estendeu essa conta para doze pares de vinhos da França que tinham a confiança do rei)
Como se vê, ganhou o vinho de Chipre. Alguns "historiadores" acreditam que era o vinho doce conhecido como Commandaria, hoje uma DOC da ilha mediterrânea. Alega-se que este é o mais antigo vinho do mundo sendo produzido até hoje, pois ele data de cerca de 800 a.C.. Reza a lenda (outra) que o cavaleiros templários, que dominaram a ilha durante as Cruzadas, produziam este vinho em grande quantidade para abastecer as cortes europeias e também os peregrinos da Terra Santa. Certamente era um vinho divino.