Inserido em 09/04/2020
Paul Hobbs costuma dizer que a fórmula para fazer vinhos inclui "uma parte de ciência e três partes de intuição". Mas ressalta que, no início, a ciência é mais importante.
O “Steve Jobs do vinho”. A comparação com o lendário cofundador da Apple foi usada há alguns anos pela prestigiada revista de economia e negócios Forbes, dos Estados Unidos, para descrever o enólogo e produtor Paul Hobbs. E tanto a qualidade como o escopo de seu trabalho parecem justificá-la.
Hobbs produz vinhos sob seu próprio nome na Paul Hobbs Winery e na CrossBarn, ambas em Sonoma, na Califórnia. E é sócio da Viña Cobos, na Argentina, que completou 20 anos em 2019. Mas seu sobrenome também está presente em rótulos de vinhos produzidos em locais tão distantes como Cahors, na França (Crocus, em parceria com a família Vigouroux), Armênia (Yacoubian-Hobbs), Ribeira Sacra, na Espanha (Alvaredos-Hobbs) e Finger Lakes, no estado de Nova York (Hillick & Hobbs). Nesta última, que tem como sócio minoritário o alemão Johannes Selbach e cujos vinhos só chegarão ao mercado em 2021, está plantando sobretudo Riesling. E é de lá que, no futuro, poderá sair um branco botrytizado, como os alemães, uma vez que a chamada podridão nobre se faz presente na região.
Por sua própria decisão, Hobbs tem sócios em todos os projetos de que participa fora dos Estados Unidos. Apenas o Hillick, na vinícola de Finger Lakes, não segue essa norma. É o sobrenome de solteira de sua mãe, homenageada por ele. Além desses projetos, Hobbs presta, ou já prestou, consultoria, a mais de duas dezenas de vinícolas. Por isso, em que pesem os 67 anos que completará em agosto, continua viajando seis meses por ano. Só à América do Sul, onde, além da Cobos (uma joint venture com um casal de argentinos), é consultor de vinícolas na própria Argentina, no Chile e no Uruguai, são quatro viagens anuais.
Maçãs no espaço, com Yquem
Contada assim, a história de Hobbs pode dar a impressão de que ele praticamente nasceu num vinhedo. Mas, se tivesse seguido a trajetória familiar, talvez estivesse produzindo suco de maçãs. E, se seguisse os devaneios típicos de um adolescente teria trilhado o caminho de Neil Amstrong, primeiro homem a pisar na lua.
Paul foi o segundo dos 11 filhos de Joan Hillick e Edward Hobbs. O casal e os filhos viviam numa fazenda ao norte de Nova York, não muito longe da fronteira com o Canadá, que produzia principalmente maçãs. Ajudar o pai era parte da rotina dos irmãos mais velhos, como ele mesmo recorda. “Trabalhávamos todos os dias e não fazíamos isso porque trabalhar é bom, mas porque era necessário. Sabíamos que nosso trabalho era essencial para colocar comida na mesa da família”. Hoje, reconhece que essa vivência foi a influência mais importante em sua vida e no trabalho que faz.
Para acompanhar as refeições, a mãe só admitia duas bebidas: suco de frutas e leite. Isso até um jantar em 1969, quando Paul tinha 16 anos. Nesse dia, o pai apareceu com uma garrafa de uma bebida doce desconhecida e serviu um pouco para que provassem. Todos adoraram, inclusive a mãe, que ficou furiosa ao saber que aquela bebida deliciosa tinha álcool. Era um Yquem 1962.
Na verdade, Edward já vinha pensando em plantar vinhedos na propriedade, o que começou a fazer com a ajuda do filho. Mas, chegado o momento de ir para a universidade, tudo o que Paul queria era ficar longe da dura vida no campo. Assim, para alegria da mãe, decidiu estudar medicina. O sonho de participar da corrida espacial tinha acabado numa consulta de rotina a um oftalmologista (usa óculos para perto). Foi na universidade de Notre Dame, em Indiana, que sua vida começou a tomar novo rumo. Percebendo que o jovem Hobbs gostava de biologia e tinha experiência em trabalhar a terra, um professor convenceu seu pai (sem muitas dificuldades, diga-se de passagem) a enviá-lo para a Universidade de Davis, na Califórnia, para estudar enologia. Paul lembra que a mãe chorou ao saber dessa mudança de planos.
Os franceses e os argentinos
Ao deixar Davis, com um mestrado em viticultura e enologia, foi bater na porta do produtor americano que mais admirava: Robert Mondavi. A admiração era tanta que se ofereceu para fazer um estágio sem remuneração. Tempos depois, foi indicado por Mondavi para participar da joint venture com os Rothschild, do Mouton, na criação da Opus One.
Mas não se deu bem com a obsessão dos parceiros franceses em seguir os rígidos protocolos que usavam em Pauillac, que, na sua visão, não eram benéficos para o vinho. Como exemplo, ele cita a excessiva filtragem e afinação que, na sua opinião, descaracterizam os vinhos (hoje, ele próprio não filtra os que faz). Os choques com os franceses fizeram com que perdesse o emprego e trocasse a Mondavi pela Simi, em Sonoma. Foi lá, já como vice-presidente de enologia, que recebeu o convite que mudaria definitivamente a sua vida: fazer consultoria na Argentina, para uma então praticamente desconhecida vinícola, cujo dono tinha estudado economia na Califórnia e era grande apreciador dos Cabernet Sauvignon do Napa. A vinícola era a Catena.
Yacoubian-Hobbs: projeto na Armênia juntamente com a família Yacoubian, em Vayots Dzor, aos pés do monte Ararat
Em todos os lugares
A partir de 1988, a ligação com a Argentina se torna permanente na vida de Paul. Do lado profissional, porque participa diretamente da revalorização da Malbec e do progressivo reconhecimento, principalmente nos mercados internacionais, da qualidade dos vinhos que pode criar. No plano pessoal, porque casou com uma argentina. O casamento não durou, mas deixou uma filha. Agustina (26 anos em 2020) está terminando estudos em negócios e em enologia, na universidade de Cornell, mas se dedica mais à área comercial e não trabalha com o pai. Sobre o fato de a filha também ser enóloga, Paul não dispensa o humor: “Não sei se você gostaria de beber os vinhos que ela faz”, observa. Hobbs tem mais duas filhas (que completarão, respectivamente, 7 e 4 anos em 2020) de seu segundo casamento, com a alemã Cristina, que conheceu em uma de suas viagens ao Brasil.
Crocus: em parcela com a família Vigouroux, Hobbs criou a Crocus em 2011, em Cahors, terra original da casta Malbec
O sucesso como consultor de inúmeras vinícolas argentinas e depois chilenas permitiu que juntasse capital para abrir a Paul Hobbs Winery, em Sonoma, em 1991. Para viabilizá-la, recorreu à participação de investidores. Um deles foi o próprio Nicolás Catena, que permanece como sócio até hoje. Em 1999, junto com o casal argentino Andrea Marchiori e Luis Barraud, fundou a Viña Cobos. No ano seguinte, criou a CrossBarn, também em Sonoma, com o objetivo de ampliar a produção com uma segunda linha, de preços mais acessíveis ao consumidor. E em 2009 teve, talvez, o maior reconhecimento por ter acreditado na Malbec, quando foi convidado a se associar à família Vigouroux, para produzir vinhos em Cahors, região mais associada a essa casta na França. Os demais projetos em que está diretamente envolvido atualmente, como fazer vinhos na Armênia ou na Galícia, vieram mais, segundo ele, por “curiosidade intelectual”.
Sustentável
Hobbs diz que não é do tipo que gosta de “ficar preso a uma única escola de pensamento”, referindo-se especialmente à biodinâmica. Ele acredita que a biodinâmica tem muitos conceitos interessantes, mas não para todas as situações. “Prestamos atenção aos ciclos lunares, mas não ligo muito para os aspectos místicos”. O que mais aprecia na biodinâmica “é que ela requer que você esteja, de fato, presente nos vinhedos. E tem que prestar atenção. Não dá para sentar atrás de uma mesa e ser agricultor”. Mesmo assim, entende que as ideias de Rudolf Steiner foram levadas ao extremo e estão sendo usadas como peça de marketing. Coerente, faz questão de não ser certificado como produtor orgânico. “Muitos americanos pensam que agricultura orgânica significa nenhum pesticida, o que é uma loucura. Então, tem muita desinformação”. Como produtor, defende uma abordagem sustentável, mas “bebendo de várias fontes”.
Os dois projetos mais recentes são em Ribeira Sacra, com Antonio López Fernández, e Nova York, junto com Johannes Selbach
A visão é semelhante quando comenta os vinhos de ânfora. “Para mim, é clichê. Não estou interessado em fazer vinhos de ânfora, porque quero ter certo controle sobre a fermentação”. E diz que usar concreto (que aprecia), inox ou carvalho (prefere “foudres”) não é o mais importante. “Estou mais interessado no vinhedo, no local e em como as uvas são plantadas do que no veículo em que são fermentadas. Na maioria dos casos, a fermentação deveria ser neutra”.
Quanto ao álcool, outro dos temas quase onipresentes quando se fala sobre vinhos atualmente, diz que há uma grande incompreensão a respeito, porque, certo ou errado, as pessoas associam álcool à maturidade das uvas. “Ter 13% ou 14% de álcool quando você bebe um vinho não significada nada, mas as pessoas acham que significa alguma coisa”. E pondera: “você pode ter um vinho com 14,5% ou 15% de álcool e ele ser delicioso, não cansar (o paladar) e não parecer sobremaduro; e ter outro, com 13%, sem nada disso”. Para ele, não se deveria dar tanta importância ao grau alcoólico. “É melhor não se preocupar muito com isso. Apenas, prove os vinhos”, recomenda. E conclui, pragmático: “Let it be”.